Uma viagem breve pelo país da baixa densidade
Caro leitor, sei que gosta muito do seu país, venho propor-lhe uma viagem breve pelo país da baixa densidade, uma viagem pelo país paradoxal, onde a deceção e a esperança parecem andar de mãos dadas. Senão, vejamos.
Somos um país a três velocidades, pelo menos. Em primeiro lugar, o país da linha litoral, o país da A1 e da A2 e das três áreas metropolitanas, Porto, Lisboa e Algarve. Em segundo lugar, o país da linha interior, o país do meio, da N2 e suas áreas adjacentes entre Chaves e Faro. Em terceiro lugar, o país da linha de fronteira, o país raiano e suas áreas adjacentes, entre Bragança e VRSA. Deixemos, por agora, o litoral, e façamos uma breve viagem pelo país do interior profundo.
Pensemos, por um momento, nos ecossistemas da Terra Fria e da Terra Quente transmontanas, nos parques naturais e geoparques, no Alto Douro vinhateiro, no Baixo Tâmega e Sousa, no Dão-Bairrada, nas Terras do Planalto Mirandês, no ecossistema da Serra da Estrela, na Cova da Beira e na campina de Idanha, na Lezíria e Charneca ribatejanas, na peneplanície alentejana e nos montados alentejanos, na margem esquerda do Guadiana, na Costa Vicentina e no Barrocal Serra algarvios, para citar apenas alguns. Pensemos, por exemplo, nos movimentos de desterritorialização e reterritorialização que atingem estes ecossistemas. De um lado, um círculo vicioso, socioeconómico e sociodemográfico, que afeta, de longa data, estas regiões e que expulsa muitos dos seus naturais, do outro, a entrada em jogo de fundos imobiliários e de investimento que apostam em produções intensivas e empresas tecnologicamente evoluídas em termos de agronegócio, em inúmeros empreendimentos de agroturismo, turismo rural e turismo de natureza, e em investimento imobiliário para 2ª e 3ª residências, alguns deles muito bem encaixados nos ecossistemas respetivos e, assim, abrindo o caminho para os terroirs policromáticos da economia da 2ª ruralidade.
Aqui chegados, o que teremos, no futuro próximo, nas áreas de baixa densidade é um país a várias velocidades, com a disponibilidade e qualidade da água e do solo a determinarem as diversas dinâmicas territoriais. Em primeiro lugar, antigos empresários agora transformados em proprietários rentistas que cedem a exploração ao agronegócio e ao capitalismo financeiro, em segundo lugar, movimentos e organizações de pequenos e médios produtores que procuram racionalizar e modernizar as suas explorações e cadeias logísticas, em terceiro lugar, micro e pequenos produtores animados por associações de desenvolvimento local e estruturas cooperativas sob a forma de sistemas produtivos locais e circuitos curtos de comercialização, por último, uma corrente de agriculturas pós-produtivistas que interpretam novas abordagens biológicas e agroalimentares, seja no quadro de agriculturas periurbanas, de bio regiões ou parques agroecológicos municipais e intermunicipais.
Neste sentido, quero acreditar que, doravante, em plena sociedade da informação e do conhecimento, as universidades, as escolas superiores agrárias, as escolas profissionais agrícolas, as associações de jovens empresários e os neo-rurais associados ao movimento de startups do universo rural, por via de plataformas colaborativas e comunidades inteligentes, já preparam essa grande jornada que nos conduzirá, progressivamente, dos territórios convencionais de simples produção aos terroirs de produção, recreio, lazer e visitação. Tudo dependerá das condições de formulação e realização de um programa integrado de desenvolvimento regional (PIDR) orientado para a economia das comunidades intermunicipais e os ecossistemas referidos inicialmente, se quisermos, um programa de estímulos e incentivos que favoreça as hiperligações entre economia produtiva e pós-produtiva, por um lado, e a economia criativa aplicada à constelação turístico-cultural, por outro. Em cada ecossistema referido, os signos distintivos territoriais podem ser objeto de uma composição narrativa própria e, por essa via, ser criada uma imagem de marca que reconheça o espírito e a arte do lugar, não apenas os ícones biofísicos e paisagísticos como, também, os ativos patrimoniais e os produtos com denominação de origem, ou seja, um conjunto de referências naturais e culturais que fazem, doravante, a reputação dessas comunidades e ecossistemas.
É verdade, caro leitor, dito assim tudo isto pode parecer um discurso paradoxal e utópico no preciso momento em que a luta está nas ruas e há protestos dos agricultores nacionais e europeus. Mas essa é, também, a razão e o pretexto para contrariar o discurso pessimista e conservador e afirmar a vitalidade da agricultura portuguesa e do mundo rural no futuro próximo, tirando partido e vantagem dos nossos inúmeros microclimas e ambientes agroecológicos e apostando sem hesitações no rejuvenescimento e na sucessão empresariais, na promoção agroecológica dos sistemas produtivos locais e com total respeito pelos mosaicos agropaisagísticos mais representativos da cultura ecológica regional.
Os territórios mais remotos e hostis do interior profundo (a linha raiana) serão um desafio à imaginação tecnológica e digital e aguardamos, por isso, que as universidades, os centros de investigação, as associações jovens e as start-up mais ousadas sejam capazes de nos trazer novidades na forma de ocupar estes territórios. Na sociedade da informação e do conhecimento e numa economia da 2ª ruralidade, os terroirs desta nova ruralidade deixarão de ser apenas espaços-produção para serem, cada vez mais, espaços-produzidos, territórios de consumo, destino e visitação. É este movimento de refluxo com dois sentidos que irá, talvez, reverter, gradualmente, o círculo vicioso de desertificação e despovoamento, agora com mais fluxo e menos stock.
Por último, um aviso à navegação. À nova economia digital, para fazer prova de vida, não bastam as comunidades online criadas de geração espontânea em espaços de coworking ou fablab municipais ou cooperativos. Também não bastam as start-up geradas em incubadoras e aceleradoras, que aí vegetam muitas vezes sem um mínimo de sustentabilidade. Há, de facto, um longo caminho a percorrer entre o conforto de uma rede digital gerida por uma comunidade online e o desconforto de um problema real gerido por uma comunidade real, municipal ou associativa. Fica o aviso.
Texto cedido pelo autor, Prof. António Covas