O poder da Arte para mudar o Clima, e não só de Diogo Silva
Vivemos em emergência climática, não há como o negar.
O Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (IPCC) dá-nos agora menos de dez anos para reduzir a metade as emissões globais de gases com efeito de estufa e todos os dados indicam que não estamos nem perto de o conseguir. Portugal, que se diz líder global na ambição climática, não tem objetivos compatíveis com os dados do IPCC, e tem uma responsabilidade histórica que vai além do corte a metade das emissões.
A somar à emergência climática, 2020 veio trazer-nos uma pandemia, que por sua vez desencadeou uma crise económica cujas consequências ainda estamos apenas a começar a compreender – o que já é claro é que as linhas que já dividem a sociedade (com base no nosso rendimento, na nossa cor de pele, género, orientação sexual, entre outras discriminações estruturais) ficarão mais vincadas ainda se as soluções forem no mesmo sentido do que tem sido a política global no último meio século. Com as mesmas soluções, como esperar resultados diferentes?
Contra o conformismo de aceitarmos a realidade como ela é, e a favor da rebeldia de mudar aquilo que não podemos aceitar, resta-nos a questão: como podemos mudar?
Todos os grandes movimentos sociais – das sufragistas que conquistaram o direito de voto para as mulheres, aos independentistas na Índia, passando pela luta anti-apartheid, o movimento dos direitos civis, a luta LGBTQI+, entre tantos outros exemplos inspiradores – partilharam táticas e estratégias de ação política. A mais comum e mais conhecida é sem dúvida a vertente de marchas e mobilizações de massas. Menos comum é reconhecer-se o papel da arte como forma de mudar a cultura – tornando inevitável o que muitas vezes era politicamente impossível poucos meses antes.
Não é preciso irmos muito longe para termos exemplos próximos. Para uma geração nascida no pós-25 de Abril, as histórias mais passadas de boca em boca não são só sobre as grandes manifestações ou o dia em que os militares irromperam por Lisboa. São também sobre as músicas do Zeca Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho; os murais pintados por pessoas comuns em todo o país; o teatro e as bibliotecas itinerantes; os versos subversivos dos poemas cantados no Festival da Canção; ou até os cartazes, autocolantes e pins espalhados por ruas e lapelas. E se no ano passado, muito mudou por todo o mundo com uma onda de mobilização pelo clima, podemos ver que também na arte este tema foi reflectido e impulsionado: na música os The 1975 com Greta Thunberg, ou os Massive Attack com Christiana Figueres; nos filmes já tinha saído o Beasts of the Southern Wild e o Demain (inspirando o português É Pra Amanhã); meios de comunicação social como o Fumaça lançaram séries inéditas sobre o tema e redes de jornalismo sonoro independente focadas só no tema do clima, como a Critical Frequency, estão em crescimento. Se olharmos além das imagens mais conhecidas de protestos ou pessoas a serem detidas, torna-se inegável o papel da mudança na cultura para mudar a sociedade.
Devemos por isso inspirar-nos em exemplos como a Fossil Free Culture, Brandalism, Yes Men, Liberate Tate, BP or not BP, ou a Artivist Network para cada vez mais ter um activismo que se manifeste na cultura através da arte. É hora de pegar nos pincéis, nos instrumentos musicais, nos nossos corpos e palavras, e usar toda a nossa capacidade artística para criar o mundo com o qual hoje só podemos sonhar.
Se a arte for activismo, podemos mudar muito mais do que o clima.