A mudança vai chegar…Talvez um pouco tarde… de Anabela Rodrigues & Janice Fernandes

O trabalho empírico de GTO LX, baseado na metodologia do Teatro do Oprimido, tem revelado que a maioria de nossas investigações teatrais, dos grupos com os quais trabalhamos, assentam em problemas de inclusão social, racismo, xenofobia e desigualdades sociais. A construção incorreta pelos media, por livros, por alguns programas sociais, permite que tenhamos institucionalmente, uma sociedade inconscientemente racista, que nos tem amedrontado para construir em conjunto uma sociedade mais justa e tolerante. Importa explicar em breves palavras o que é o Teatro do Oprimido criado pelo dramaturgo Augusto Boal como um método estético que visa transformar a realidade, antes de avançarmos no texto.

A metodologia do Teatro do Oprimido (TO) inicia no Brasil, em meados da década de 60 e é hoje praticada em mais de 70 países. É uma metodologia e uma prática teatral cujo objectivo é promover a reflexão do espectador sobre a sua realidade, expondo o modo como a sua conduta resulta da sua percepção das relações de poder, de processos de dominação e exclusão social. A Opressão está concretizada em injustiças sociais, em desequilíbrios de poder e de acesso a recursos, a direitos e a oportunidades. O/a oprimido/a é quem tem alguma percepção da injustiça e, por isso, deseja e necessita transformar a realidade em que vive, estando disposto/a a lutar pelo que considera justo e a inventar o futuro desejado.

É com base nessa luta colectiva que negros e negras de bairros dos subúrbios de Lisboa, se reúnem em um grupo denominado de AMI-AFRO para criar espetáculos de Teatro Fórum. Assim como o lema de Black power (livro de Stokely Carmichael), o objetivo da auto-determinação e auto-identidade negra é a plena participação no processo de tomada de decisões que afectam a vida das pessoas negras, e o reconhecimento das virtudes em si mesmas como pessoas negras. Os desafios que este grupo de teatro lança em palco são perguntas sobre como poderemos transformar a realidade, com pequenas ações que podem deixar de perpetuar o racismo, tal como ele está enraizado no momento. Como deixar de utilizar palavras como lista negra, mercado negro, denegrir, embranquecimento de capitais, que são negativas e sugerem que o que é negro é ruim. Serão essas palavras apenas semânticas, sem nenhum grau de culpa? Sem nenhum impacto na vida de muitos e muitas que devido ao seu tom de melanina, não podem “fingir que não os/as afecta”. O objetivo deste grupo é, como diz Frantz Fanon: “cada geração deve numa relativa opacidade, descobrir a sua missão, cumpri-la, ou traí-la […]” E este grupo optou por tentar construir uma sociedade diferente. Procurando propostas de mudança em diálogo. Em Fórum.

Há quem diga, que essa ideia dos movimentos negros de intitular Portugal de racista – ou mesmo uma Europa – é um exagero e uma traição ao país que os acolhe. Mas é exactamente porque Portugal viu nascer muitos desses filhos de homens e mulheres negras vindos de cabo Verde, Angola, Guiné Bissau, São Tomé e Moçambique e negou através de uma legislação que fossem cidadãos/ãs de plenos direitos, que muitos/as desses/as filhos/as têm revelado, como institucionalmente essa separação evidenciou uma desigualdade social. E que outros países da Europa têm tido o mesmo problema. É por isso que a década de Afro-Descendentes criada pela ONU de 2015-2024, ainda tem um longo caminho para criar impacto na consciencialização das pessoas.

Queremos terminar o aguçar do apetite para a estrada da justiça com algumas frases de Martin Luther King. Em determinado momento no seu famoso discurso de “I have a dream”, ele diz que foi levantar o cheque prometido pela constituição que todos/as homens e mulheres teriam garantia aos direitos inalienáveis de “vida, liberdade e à procura de felicidade”. Encontramos semelhança com Liberdade, Igualdade e Fraternidade. E ele dizia que a América ainda não tinha pago essa nota promissória com os negros e pelo contrário teria respondido que o cheque não tinha fundo. Mas ele recusava a ideia de que o banco da Justiça não tivesse “fundos”. Pois bem, nós também não acreditamos que o banco da justiça não seja para todos e todas. Que esteja falido.

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