A ostentação rococó da magnífica igreja do Mosteiro de Lorvão serviu de palco à encenação “Lorvão, glória da Ordem de Cister”, com que encerrou a XII MANIFesta – Assembleia, Feira e Festa do Desenvolvimento Local e da Economia Social.
A recriação, pelo Grupo Folclórico e Etnográfico de Lorvão, das confidências entre D. Teresa e a sua irmã D. Sancha, recordou alguns episódios da história do convento e das desafortunadas vidas das duas mulheres, condicionadas pelas disputas políticas entre Afonso Henriques e o rei de Leão, Afonso XI, que levaram à criação do reino de Portugal.
No dia anterior, uma audiência atenta já tinha podido assistir no mesmo local ao concerto barroco de canto e órgão “Miserere Mei”, pelo Grupo Coral da Filarmónica de Covões, integrado na Festa das Santas Rainhas e nos festejos pelo terceiro aniversário da inscrição dos manuscritos de Lorvão e Alcobaça no Registo de Memória do Mundo da UNESCO.
Não foram eventos isolados, já que nos três dias de MANIFesta tiveram lugar outras recriações, de cariz etnográfico – uma Barrela, antigo processo de lavagem de roupa, em que o “detergente” era a cinza, e uma divertida encenação sobre as diligências do morgado da aldeia de Paradela da Cortiça para saber qual dos seus servos lhe andava a beber o licor, pela Associação de Melhoramentos de Paradela da Cortiça; e uma demonstração do processamento do linho, desde a transformação da planta seca em fio, e deste em tecido, pela Associação de Melhoramentos do Carregal.
Num registo diferente do cultural e etnográfico, realizou-se na manhã do último dia da MANIFesta uma caminhada pelas serras da região, em que mais de uma centena de participantes percorreram antigos trilhos, hoje verdadeiros caminhos de cabras devido ao êxodo rural, durante o qual puderam observar a natureza em toda a sua beleza. Desgastante, mas gratificante.
A esta caminhada associou-se a iniciativa Dia Municipal para a Igualdade, dando-se a conhecer aos participantes.
A FEIRA
A realização da Feira obedeceu a um critério algo diferente do das anteriores edições da MANIFesta. Não teve lugar fixo, “deslocando-se” de aldeia em aldeia, conforme as realizações, e focalizada nas produções locais dessas aldeias e de outras, como a de Miro. Foi assim nas de Paradela da Cortiça, do Carregal e de Friúmes, em que foi possível visitar uma pequena unidade de produção de cerveja artesanal, a Beira Alva, onde os participantes a puderam provar e comprar e degustar produtos regionais; e na de Lorvão, onde foi possível ver o forno comunitário em plena actividade e apreciar broa e outros produtos locais.
A ASSEMBLEIA
A MANIFesta iniciou-se na manhã do dia 19, com a Sessão de Abertura, em que participaram Rui Fiolhais (em representação do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social), Humberto Oliveira (CM Penacova) e o Presidente da Animar, Marco Domingues. Nela, Rui Fiolhais assinalou o reconhecimento do Estado sobre “o quanto as entidades de economia local contribuem para a melhoria das condições de vida da população em geral e dos grupos mais fragilizados em particular”, bem como o seu papel na capacitação de recursos, criação de riqueza e emprego.
A vertente Assembleia foi composta por quatro painéis temáticos:
– Economia Social e solidária e Desenvolvimento Local, em que foram oradores Eduardo Graça (CASES), Filipa Alves (Casa da Esquina), Pedro Hespanha (CES – Universidade de Coimbra) e Sílvia Ferreira (Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra). Fernando Rodrigues (Vice-Presidente da Animar e Ecomuseu de Barroso) moderou.
Eduardo Graça falou sobre a origem e a finalidade da CASES. Salientou a importância da recente criação da Confederação Portuguesa da Economia Social, demonstrativa da maturidade e da importância que o sector tem na sociedade portuguesa. Uma aliança entre movimentos associativos livres com origem da revolução industrial (cooperativas, sindicatos, partidos, clubes desportivos, etc.) e nos movimentos católicos. Terminou referindo-se à importância da Conta Satélite da Economia Social, um “instrumento estatístico estratégico que permite perceber a e a importância e influência social da economia social”.
Filipa Alves deu a conhecer a experiência da Casa da Esquina, uma associação cultural socialmente atenta a tudo que a rodeia, não quer limitar a sua acção ao universo da economia social, e que está aberta a todos. Pelo que é um espaço público e de trocas, onde cabem o teatro e outras artes, a costura e os produtos locais, se inventam mercados sem dinheiro, se procuram criar novos hábitos de consumo, a relação directa entre consumidores e produtores eliminando intermediários, se cedem espaços. Um espaço de igualdade, dignidade e solidariedade.
Pedro Hespanha discorreu sobre as diferenças entre os conceitos de economia social e solidária e economia social – enquanto a primeira pratica a solidariedade entre iguais na resolução dos seus problemas, a segunda, porque compete com o sector privado, tende a integrar algumas das más práticas deste.
Referindo-se aos incêndios que assolaram a região, considerou que estes vieram chamar a atenção para a débil situação económica do interior, onde persistem tradições de entreajuda e partilha de valores e uma cultura conservadora de resistência ao que é novo e vem de fora. Um quadro em que ganha relevância a pequena agricultura familiar, uma forma de exploração da terra que não recorre à exploração assalariada da mão-de-obra. O que permite relacioná-la com a economia social e solidária e verificar a necessidade de políticas públicas, evitando-se assim a morte das aldeias.
Sílvia Ferreira falou sobre o conceito de empresas sociais, que considera ter origem em razões semelhantes às que transparecem da crítica da economia social e solidária à social: burocratização, autoritarismo estatal, …
Em seu entender, as CERSIS foram as primeiras manifestações no país de empresas sociais. Surgidas com o 25 de Abril, eram cooperativas que juntavam pais, técnicos e autarquias, (agora também as pessoas com deficiência), criando assim um novo tipo de organização com que se procurava responder à discriminação de que eram alvo as pessoas com deficiência. Mais tarde, apareceram na Europa entidades que, com preocupações semelhantes, procuravam integrar desocupados no mercado de trabalho, colocando-os durante um certo tempo a trabalhar em empresas, onde aprendiam o necessário para se candidatarem a um emprego.
Entende serem empresas sociais aquelas que a) por iniciativa dos cidadão estão orientadas para a resolução de problemas ambientais ou sociais sem buscar o lucro, que deve ser distribuído e não reinvestido; b) fornecerem bens e serviços na base do risco partilhado e no trabalha assalariado dos membros da entidade; c) não dependem dos capitalistas, sendo as decisões tomadas com grande autonomia em termos de gestão e com a participação dos que têm relação ou são afectados pela actividade da entidade.
– Política de Ordenamento e Coesão Territorial – Desafios e Oportunidades. Neste painel participaram Duarte Rodrigues (Agência para o Desenvolvimento e Coesão. IP) Teresa Sá Marques (Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território), Jorge Brandão (CCDR Centro), Amândio Torres (Unidade de Missão de Valorização do Interior) que, respectivamente, discorreram sobre o Futuro Quadro Comunitário, o Poder Central, Regional e Local, com particular enfoque no PNOPOT, Estratégias de Valorização e Promoção Regional e Políticas de Revitalização do Território Florestal. O Painel foi moderado por Miguel Torres (CM Tondela). Neste painel conflituaram dois saberes – o académico e o institucional (científico), e o de experiência feito (empírico), tende este último considerado ser necessário os primeiros “descerem à terra”.
– O Contributo do Turismo para o Desenvolvimento Local, em que foi oradora Carmo Lopes (Escola Superior Agrária – Universidade de Coimbra). Partindo da constatação do estado catastrófico em que se encontra a agricultura, e de que o rural não é só agricultura, apontou o turismo rural (em particular o ecoturismo) como um serviço capaz de revitalizar os espaços rurais. Para isso é preciso potencializar os saberes e as paisagens locais, aquilo que cada território tem de diferente e genuíno; criar estruturas hoteleiras e de restauração e hábitos de acolhimento; qualificar os territórios, criar e preservar áreas protegidas e produtos reconhecidos e certificados; conhecer o que se faz noutros países e territórios e recorrer a saber académico e científico.
– Resultados do Processo de Animação Territorial. Neste painel procurou-se reflectir sobre a MANIFesta. Vítor Andrade (Director da Animar), referindo ao processo da MANIFesta’18, que teve como lema “O Desenvolvimento é Acção”, começou por referir que o desenvolvimento é o resultado de uma acção em determinado contexto, sendo o local o espaço onde se pode agir – tem actores e ligações, pelo que inclui vários e variados locais; tem líderes, que também são actores. E estes tanto podem envolver e levar a que as populações participem, ou fazer dos outros instrumentos dos seus interesses e secar tudo à sua volta.
Depois, interrogou-se sobre que educação queremos? Defendeu uma outra abordagem educativa, transformadora. Uma educação que não seja um veículo de reprodução do sistema, mas da sua transformação. Tem de transformar a escola, fazendo com que ela ministre uma aprendizagem que incentive o sentido crítico e interventivo, que leve ao questionamento.
José João Rodrigues desenvolveu um jogo através do qual procurou estabelecer compromissos para futuras MANIFestas.
Paralelamente decorreram outros debates de partilha e avaliação de experiências, como os promovido pela Associação Zero, FASE, ASPE e o Projecto Rios.