O trabalho das Wiki Editoras Lx como ativismo feminista e interseccional na internet de Tila Cappelletto & Ana Bragança

As Wiki Editoras Lx surgiram em Maio de 2019, quando os caminhos de algumas mulheres se cruzaram durante o Festival Feminista de Lisboa, no âmbito de uma editatona dedicada à visibilização de pessoas das margens, com foco na criação de artigos na Wikipédia de mulheres, mulheres cis e trans, e pessoas não-binárias, especialmente daquelas pertencentes a comunidades com menor visibilidade e representatividade: lusófonas, do sul global, negras, migrantes, ciganas, indígenas, LGBTQI+, entre outras.

Este foi o mote do aparecimento do grupo e o farol que tem guiado o seu crescimento. A urgência deste trabalho prende-se com um longo apagamento das mulheres do imaginário colectivo histórico. Ao longo de séculos, foram sendo obliteradas da narrativa dominante pessoas, assim como experiências divergentes, tidas como não protagonistas, pois esta é habitualmente homogénea e centrada na figura masculina branca. Sabemos que esse desaparecimento nada tem a ver com a participação ou com a importância dessas pessoas na construção da história coletiva, e, no entanto, a sua existência foi e continua sendo injustamente e sistematicamente ignorada e silenciada. Por esse motivo, como refere Linda Nochlin, no seu texto de 1971, porque não houve grandes mulheres artistas, torna-se urgente “corrigir a distorção intelectual da dominação velada da subjetividade masculina branca a fim de alcançar uma visão mais adequada e precisa das situações históricas”.

O advento e a popularização da internet nos anos 1990 trouxeram uma importante mudança tanto nos espaços como nas ferramentas de escrita e registo dessa história. Posteriormente, na esteira da ampliação das plataformas de produção e transmissão de conhecimento, em 2001 surgiu a Wikipédia. Uma enciclopédia online, escrita de forma colaborativa e voluntária por não especialistas, acessível de forma gratuita a todas as pessoas. Um projeto altamente disruptivo, feito pela comunidade e para a comunidade. Porém, não tardou muito para que a enciclopédia livre refletisse também ela as mesmas disparidades estruturais presentes na sociedade. Tanto em termos de conteúdo (no caso mencionado, de biografias de mulheres), quanto ao perfil dos seus editores. Na Wikipédia em português, menos de 20% das biografias são de mulheres. Por outro lado, em geral, há apenas cerca de 15% de pessoas identificadas como editoras que fazem esse trabalho.[1]

No entanto, a característica de rede do meio digital na qual está inserida a Wikipédia e a ferramenta colaborativa wiki utilizada, surgiram para potenciar verbos no coletivo. E é nesse contexto que as WikiEditorasLx desenvolvem o seu trabalho. Um grupo aberto e informal que se reúne quinzenalmente para editar a Wikipédia, em tempos pré-COVID19, presencialmente em Lisboa na Penha Sco – Arte e Cooperativa, e, após março de 2020, através de plataformas online.[2]

Porém, não estamos livres do problema ao qual apontamos o dedo. Apesar de alguns esforços no sentido do alargamento, o nosso grupo continua a ser maioritariamente composto por mulheres cis brancas heterossexuais. Conscientes das limitações e possíveis vieses como grupo, e com o objetivo de aproximação ao máximo de uma abordagem interseccional (visando fortalecer também a diversidade da sua própria comunidade), as Wiki Editoras Lx desenharam um programa especial, chamado Curadorias Convidadas, por meio do qual estabelecem colaborações com pessoas ou organizações que pertencem ou trabalham com diferentes comunidades, que como especialistas em suas próprias realidades apresentam-se como as agentes perfeitas para realizar a curadoria de conteúdos específicos a serem criado na Wikipédia. Até ao momento, as Wiki Editoras Lx já colaboraram com coletivos como Mulheres na Arquitectura e W. ARCH.pt, com a poeta afro-portuguesa Raquel Lima e com o coletivo FACA.

Para que haja diversidade e representatividade são necessárias políticas afirmativas e actores sociais que operem a partir dessa ética. Vemos a imensa luta nas diferentes esferas públicas para que isso se torne uma realidade. E com a Wikipédia, praça pública do conhecimento, não seria diferente. Continuaremos a lutar. E a editar!

 


[1] O viés de gênero na Wikipédia refere-se a uma crítica da enciclopédia online Wikipédia segundo a qual a natureza e a quantidade de seu conteúdo são tendencialmente influenciados pelo fato de a maioria de seus editores ser do sexo masculino.[1] Está entre as mais frequentes críticas à Wikipédia e parte de uma crítica mais geral sobre um viés sistêmico na enciclopédia. A Wikipédia tem normalmente menos verbetes, e com menor extensão, sobre mulheres ou de temas importantes para as mulheres em comparação a verbetes sobre homens ou sobre temas importantes para os homens. https://pt.wikipedia.org/wiki/Vi%C3%A9s_de_g%C3%AAnero_na_Wikip%C3%A9dia

[2] Mensalmente, a sessão é aberta a novxs editorxs. Venha editar com o grupo. Não é necessário ter experiência, nem conhecer o conteúdo. Basta ter vontade de pesquisar e escrever. Siga-nos das redes sociais @WikiEditorasLx (FB/IG)

Partilhar nas redes sociais